TEMAS LITÚRGICOS
A Virgem Maria, Rainha do Universo
Pedro Boléo Tomé
No dia 22 de agosto celebramos a festa da Virgem Santa Maria Rainha. Tenho um amigo que ficou chocado quando soube a data em que esta festa foi inserida no calendário litúrgico. Esse dia era o aniversário da sua bisavó, uma senhora muito devota de Nossa Senhora. Assim, tinha sido fácil para ele fixar o seu aniversário e sempre pensara que esta festa viria de tempos imemoriais. Efetivamente, estamos habituados a invocar Nossa Senhora como nossa Rainha, como Rainha dos Anjos, Rainha dos Apóstolos, Rainha de todos os Santos…. Há séculos que o povo cristão reza a Salve Rainha e, no entanto, para grande surpresa do meu amigo, esta festa foi apenas instituída em 1954. E até começou por se celebrar a 31 de maio. Só em 1969 é que Paulo VI a transferiu para o final da oitava da assunção da Virgem Maria. E fê-lo por uma razão: a realeza da Virgem Maria está ligada ao mistério da sua assunção ao Céu. Como diz o Concílio Vaticano II:
«A Virgem Imaculada,
terminado o curso da sua vida terrena,
foi elevada ao Céu em corpo e alma
e exaltada por Deus como Rainha do Universo,
para assim se configurar mais plenamente com o seu Filho,
Senhor dos senhores[1] e vencedor do pecado e da morte»[2].
Mas, por que razão a mãe de Jesus e nossa Mãe recebe o título de Rainha? E, para mais, na Liturgia? Em que sentido é que a Igreja lhe atribui esse título? É com propriedade ou é apenas uma forma poética de se referir à Mãe do Senhor?
Quando iniciámos este conjunto de artigos sobre a Virgem Maria na liturgia chamámos a atenção para o facto da Igreja promover o culto litúrgico da Bem-aventurada Virgem Maria, mas tendo sempre o cuidado extremo de sublinhar que é em virtude da sua íntima participação na história da Salvação em união estreita com o seu Filho Jesus Cristo:
«Na verdade, a Igreja, ao celebrar a função da Mãe do Senhor na obra da redenção ou os seus privilégios, celebra, sobretudo, os acontecimentos da salvação em que, por desígnio salvífico de Deus, a Virgem Maria interveio na perspectiva do mistério de Cristo».[3]
A realeza de Maria terá, portanto, necessariamente que ver com a realeza de Cristo, seu Filho. Assim, no prefácio da missa da Virgem Maria, Rainha do Universo recorda-se, em primeiro lugar, não a coroação de Nossa Senhora, mas a de Cristo por parte do Pai:
«Vós O coroastes de glória e O sentastes à vossa direita,
como Rei dos reis e Senhor dos senhores».
Só, então, se olha para Maria e se apresenta a sua realeza, deixando claro que lhe pertence pela ligação que a Mãe de Jesus teve com a missão do Seu Filho. Aliás, a nota deste prefácio vem das palavras que Maria pronunciou no Magnificat, onde sublinha a ideia de que Deus «dispersa os soberbos e exalta os humildes». A humildade vai ser a razão para Cristo ser glorificado. E a humilhação da Mãe junto do Seu Filho será a causa da sua glorificação:
«A Cristo, vosso Filho, que voluntariamente Se humilhou até à morte,
Vós o coroastes de glória e O sentastes à vossa direita».
Em Cristo cumpriram-se as palavras proféticas de Maria no Magnificat. E também na Mãe de Cristo. Sim, Maria vai ser coroada como rainha porque segue o Seu Filho nesse caminho de humildade:
«E à Virgem Maria que humildemente quis chamar-se vossa escrava
e pacientemente suportou a ignominia da cruz do seu Filho,
a exaltastes sobre os coros do Anos,
para que reine gloriosamente com Cristo,
intercedendo por todos os homens,
como advogada da graça e rainha do universo.»
Nas palavras deste prefácio de novo se voltam a cumprir aquelas célebres palavras do Catecismo:
«O que a fé católica crê, a respeito de Maria,
funda-se no que crê a respeito de Cristo.
Mas, o que a mesma fé ensina sobre Maria esclarece,
por sua vez, a sua fé em Cristo».[4]
Maria é, portanto, coroada como rainha depois do seu filho se sentar na Glória do Pai exercendo o seu poder régio. Assim acontecia na monarquia do povo de Israel. A rainha não era a mulher do rei, mas sim a sua mãe. Efetivamente, nas antigas monarquias do Oriente Próximo, onde se aceitava a poligamia, era frequente que a rainha fosse não uma das mulheres do rei, mas sim, a sua mãe. Israel, que não foi sempre uma monarquia, vai assumir esta característica.[5] E assim vão os primeiros cristãos e, depois, a Igreja ao longo de toda a sua história olhar para a Mãe de Jesus. Ela é a mãe do Messias- Rei. É, portanto, a Rainha. A sua rainha. Como vai dizer a oração Colecta: Maria é-nos dada como Mãe e Rainha. É a mesma realidade. A mãe do nosso Rei é a nossa Rainha.
É interessante ver que no Antigo Israel a Rainha Mãe possuía uma dignidade própria e, juntamente com o filho, administrava o poder do reino. Tinha poder. Um poder derivado, que lhe vinha de ser mãe do Rei. E essa prática pode-nos ajudar a entender a forma como Cristo se apoia na Sua Mãe, e como a Igreja e a Liturgia se acolhem a esse poder de intercessão junto do Seu Filho. Efetivamente, na História da monarquia de Israel são muitos os casos de que temos conhecimento a ponto de podermos mesmo afirmar que o rei delegava na Mãe certos assuntos de governo.
Esta é, pois, a forma como a Igreja olha para a Mãe de Jesus e nossa Mãe. E é por isso que a liturgia celebra a festa de A Virgem Maria, Rainha do Universo.
Efetivamente, ao longo dos textos desta Missa, a Igreja confia na intercessão da sua Rainha, Mãe do Rei e espera pelas graças que ela lhe conseguirá através do Seu Filho:
«Senhor nosso Deus,
que nos destes a Mãe do vosso Filho como nossa Mãe e Rainha,
fazei que, protegidos pela sua intercessão,
alcancemos no Céu a glória prometida aos vossos filhos (…)».[6]
[1] Cfr. Ap 19,16
[2] LG 59
[3] COLECTÂNEA DE MISSAS DA VIRGEM SANTA MARIA, Preliminares, n. 6
[4] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA Nº 487
[5] Cfr. S Hahn, Hail, Holy Queen, p. 78-82.
[6] ORAÇÃO COLECTA, Missa «A Virgem Maria, Rainha»