TEMAS LITÚRGICOS

A Virgem Maria no «Grande Domingo»

 

 

 

Pedro Boléo Tomé

 

No «grande domingo», isto é, nos cinquenta dias em que a Igreja celebra com alegria e júbilo o mistério pascal, a liturgia romana recorda também a Mãe de Cristo”.[1]

Talvez nos venham à cabeça as imagens dos retábulos das nossas igrejas que retratam a aparição de Jesus à Sua Mãe. São muitas e muito emotivas, transmitindo o sentimento desse momento singular. Talvez a mais famosa seja a figura central do Políptico do Convento da Madre de Deus, datada de 1515 e que se encontra, hoje, exposta no Museu Nacional de Arte Antiga. Não se conhece a constituição original desse conjunto de oito quadros, mas pensa-se que a figura central fosse ocupada, precisamente, por esse momento que, como é sabido, não se encontra relatado nos evangelhos, mas apenas transmitido pela tradição. Achei interessante que se encontrasse essa representação logo por cima do sacrário, em grande destaque. Serviria, certamente, de grande inspiração para viver liturgicamente a alegria da ressurreição do Senhor. Já a representação do cenáculo, com Maria, no centro, rodeada pelos apóstolos e pelas santas mulheres, no momento da descida do Espírito Santo, não me surpreendeu por ser uma passagem central bíblica da vida de Nossa Senhora. Como não haveria de estar presente num retábulo da Igreja da Madre de Deus?

Estas duas presenças da Mãe de Deus relativas ao «grande domingo» fizeram-me questionar-me sobre a forma como Maria seria apresentada na liturgia no tempo pascal. E voltei a pensar na Colectânea de Missas da Virgem Maria, pois sabia que continha um conjunto de Missas específicas para este tempo litúrgico tão central. Como é que Maria é apresentada? Que notas são sublinhadas?

Efetivamente, neste Missal encontramos quatro missas especiais para o Tempo Pascal. É bonito como a figura maternal de Maria nos ajuda a olhar para Cristo e para a sua vitória sobre a morte de uma forma muito humana e cheia de beleza, de emoção e de fé, ao mesmo tempo. Podemos, por isso, ter uma imagem muito rica deste tempo litúrgico. Porque vemos a Igreja que olha para a Ressurreição do seu Senhor e se pasma com a alegria da Mãe do ressuscitado. Vemos também a Igreja que como Mãe, gera novos filhos nas águas batismais e recorda o nascimento virginal do Senhor das entranhas sagradas da Sua Mãe e a descobre como fonte da Luz. Vemos a Igreja que recorda o seu próprio nascimento e não esquece a presença da Mãe do seu Senhor, junto de si, como Sua Mãe. Vemos, por fim, a Igreja que recebe o mandato de evangelizar o mundo e recorda a Mãe de Jesus como Rainha dos Apóstolos e precursora da evangelização.

Por tudo isto, alegra-nos comprovar, uma vez mais, que «as Missas de Nossa Senhora encontram a sua razão de ser e o seu valor na íntima participação da Mãe de Cristo na história da salvação»[2]. Nestas missas «celebra-se a intervenção de Deus na salvação dos homens»,[3] como sublinha a Igreja neste missal: «é principalmente no mistério pascal de Cristo que a Igreja celebra as ações de Deus; e, ao celebrá-lo, encontra a Mãe indissoluvelmente associada ao Filho». É o que vamos constatar nas orações e textos das missas da Virgem Santa Maria propostos para a celebração nos santuários marianos no tempo pascal.

 

«A Virgem Maria na ressurreição do Senhor».

Esta primeira missa centra-se na alegria da ressurreição. Nela a Igreja saúda Nossa Senhora e participa da sua alegria: «Alegrai-vos, Mãe da luz, porque Jesus, vencendo as trevas do sepulcro, ilumina a terra inteira. Aleluia». Assim canta a Igreja na antífona de entrada. E, na da comunhão, volta a dirigir-se a Maria e a exortá-la à felicidade e ao júbilo: «Alegrai-vos, Virgem Mãe, porque o Senhor ressuscitou do sepulcro. Aleluia». No prefácio, a Igreja saboreia a alegria que inundou o coração da Mãe do Senhor: «Na ressurreição de Jesus Cristo, vosso Filho, encheste de inefável alegria a santíssima Virgem e exaltaste admiravelmente a sua fé». E, então, passa a considerar a fé e a esperança da Virgem Maria: «Ela concebeu seu Filho acreditando e acreditando esperou a sua ressurreição; forte na fé, pressentiu o dia da luz e da vida…». Maria é, portanto, exemplo de fé para a Igreja mas é, simultaneamente, intercessora. Intercede junto de Deus para que os seus filhos possam gozar das alegrias eternas.

 

«Santa Maria, fonte da Luz e da Vida»

Esta segunda missa tem como pano de fundo os batismos administrados na Vigília Pascal. Na colecta recorda-se que a Igreja «na fonte virginal do Batismo, deu à luz novos filhos, terrenos por natureza, mas celestes pelo renascimento espiritual». A alegria pascal estende-se agora, portanto, ao nascimento para a Luz destes novos filhos da Igreja graças à vitória pascal. E a Igreja considera a sua missão maternal:

«A Igreja (…) unge os recém-nascidos com o óleo perfumado do Crisma (…) e para estes filhos cada dia prepara a mesa, a fim de os alimentar com o pão descido do Céu…»[4]

E pede ajuda para essa mesma missão. Quer criar estes filhos, fazê-los crescer e levá-los à verdadeira Vida. Olha, então, para Maria, Mãe de Jesus, como seu modelo e sua imagem. Recorda a sua maternidade e vê-a como «Mãe da Luz» e «santuário dos divinos sacramentos», «virgem santa», mãe que permanece virgem.

 

Nossa Senhora do Cenáculo

Neste formulário a Igreja glorifica o Pai celeste pelo dom do Espírito Santo e a Virgem Maria surge como modelo a imitar:

«Na Igreja nascente deste-nos um exemplo admirável de oração e de unidade: a Mãe de Jesus, orando com os Apóstolos.

Na oração ela esperou a vinda de Cristo, com súplicas ardentes invoca o Espírito prometido (…)

A Virgem Santa Maria, vigilante na oração e fervorosa na caridade, é figura da Igreja…»

A Igreja recorda-a na sua relação profunda com o divino Paráclito e apresenta-a cheia dos seus dons e da sua graça. Cumulou-a com os dons do Espírito Santo. Ela é aquela a quem o «Espírito Santo cobriu com a sua sombra na Encarnação do Verbo, de novo recebe o Dom celeste, no nascimento do povo da nova aliança», a Igreja. Esta, tal como Maria é «enriquecida com os dons do Espírito» e, agora, «sob a proteção da Virgem Santa Maria», «espera vigilante a segunda vinda de Cristo».

 

A Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos

O formulário desta missa contém um forte impulso missionário. A Igreja recorda a presença de Maria no cenáculo e a efusão do Espírito Santo e pede ajuda para «proclamar a glória do nome do Senhor com «o testemunho da palavra e do exemplo». Pede também que, pela intercessão da Virgem Santíssima, «aumente dia a dia o número dos seus fiéis» e que «o povo progrida sempre no caminho da salvação».

No prefácio Maria é apresentada como precursora dos apóstolos e de todos os que pregam o evangelho. Recorda-se a sua visita a Isabel como «mensageira celeste de santificação e de alegria» e afirma-se que Pedro e os outros Apóstolos foram «movidos pelos Espírito» e «anunciaram com ardor a todos os povos o Evangelho». Afirma-se ainda que a «santíssima Virgem precede com o seu exemplo os arautos do Evangelho, anima-os com o seu amor e ampara-os com a sua contínua intercessão, para que anunciem Cristo Salvador a todos os povos».

 

Participar da alegria da Mãe do ressuscitado e da sua emoção diante da grande alegria da ressurreição, imitar a sua oração e o seu desvelo maternal, recorrer à sua intercessão para a missão apostólica e seguir o seu zelo missionário eis as notas marianas que a Igreja apresenta no «grande domingo» pascal.

 



[1] COLECTÂNEA DE MISSAS DA VIRGEM SANTA MARIA, p. 90.

[2] Ibid, p. 13

[3] Ibid, p. 13

[4] Prefácio da Missa «Santa Maria, fonte da Luz e da Vida»


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