Quarta-Feira de Cinzas
22 de Fevereiro de 2023
Na Missa deste dia benzem-se e impõem-se as cinzas, feitas dos ramos de oliveira (ou de outras árvores), benzidos no Domingo de Ramos do ano anterior.
RITOS INICIAIS
Cântico de entrada: Ouvi, Senhor, as minhas palavras – J. F. Silva, NRMS, 61
cf. Sab 11, 24-25.27
Antífona de entrada: De todos Vos compadeceis, Senhor, e amais tudo quanto fizestes; perdoais aos pecadores arrependidos, porque sois o Senhor nosso Deus.
Introdução ao espírito da Celebração
Hoje a Igreja convida-nos a iniciarmos uma caminhada de penitência e oração que durará quarenta dias até à Páscoa.
Se vivermos santamente este tempo de conversão, acompanhando Jesus na Sua paixão e morte, certamente sentiremos uma felicidade imensa com a Sua ressurreição gloriosa.
Omite-se o acto penitencial, porque é substituído pela imposição das cinzas.
Oração colecta: Concedei-nos, Senhor, a graça de começar com santo jejum este tempo da Quaresma, para que, no combate contra o espírito do mal, sejamos fortalecidos com o auxílio da temperança. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Liturgia da Palavra
Primeira Leitura
Monição: O apelo do Profeta Joel no Antigo Testamento à conversão, continua atual. Ouçamos com toda a atenção a Palavra que Deus, através dele, nos transmite.
Joel 2,12-18
12Diz agora o Senhor: «Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. 13Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos. Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso, pronto a desistir dos castigos que promete. 14Quem sabe se Ele não vai reconsiderar e desistir deles, deixando atrás de Si uma bênção, para oferenda e libação ao Senhor, vosso Deus? 15Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada. 16Reuni o povo, convocai a assembleia, congregai os anciãos, reuni os jovens e as crianças. Saia o esposo do seu aposento e a esposa do seu tálamo. 17Entre o vestíbulo e o altar, chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, dizendo: ‘Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo e não entregueis a vossa herança à ignomínia e ao escárnio das nações. Porque diriam entre os povos: Onde está o seu Deus?’». 18O Senhor encheu-Se de zelo pela sua terra e teve compaixão do seu povo.
Começa a Quaresma com um forte apelo à conversão e de esperança no perdão do Senhor, extraído do final da primeira parte do livro do profeta Joel (1,2 – 2,17). Num estilo solene e apocalíptico, fala de uma invasão de gafanhotos medonhos, mas sem ficar claro se fala em sentido próprio ou figurado. Se a obra é anterior ao exílio de Babilónia, aludiria a invasões de exércitos inimigos; se é posterior, tratar-se-ia de alguma praga agrícola. Joel não se detém a denunciar os pecados concretos do povo, como é costume dos grandes profetas. Diante da enorme calamidade apresentada como castigo divino, o profeta apela para uma sincera conversão, a começar pela dos sacerdotes (1,13).
12-13 «Convertei-vos a Mm de todo o coração». Não é suficiente uma manifestação exterior de dor; rasgar as vestes (v. 13) era um típico gesto de grande dor ou indignação, entre os judeus; rasgavam violentamente a túnica exterior, do pescoço até à cintura (cf. Gn 37,29; Mt 26,65). O coração não significa, na linguagem bíblica, apenas a afectividade, mas toda a interioridade da pessoa, todas as suas virtualidades, a sua inteligência e a sua vontade. Deus também nos convida a nós, mais fortemente neste tempo da Quaresma, a voltarmo-nos para Ele de todo o coração, isto é, com todas as veras da nossa alma, e a rasgar o nosso coração, a dilacerá-lo pela contrição, que é essa profunda mágoa de ter ofendido ao Senhor, infinitamente bom. Mas esta dor não é dor angustiante e desesperada, porque é cheia de esperança no perdão, pois Ele é clemente e compassivo… rico de bondade.
«É clemente e compassivo, paciente e misericordioso». A Vulgata e a Nova Vulgata têm «benignus et misericors est, patiens et multæ misericordiæ». «Compassivo», isto é, dotado de piedade e ternura, de compreensão e disposição para perdoar: o termo hebraico «rahum» é derivado de «réhem» (ventre materno), o que sugere que Deus tem entranhas de mãe, sentimentos e coração de mãe para connosco. Assim, o seu amor não acaba quando nos portamos mal com Ele; então tem pena de nós, compreende e facilita a reconciliação. Por seu lado, a expressão «misericordioso» (à letra, «de muita misericórdia») deixa ver que a misericórdia do Senhor («hésed») não é uma bondade qualquer, é a bondade de Quem se mantém fiel a Si próprio (cf. Ez 36,22); daqui a frequente hendíadis da S. E.: «amor e fidelidade» («hésed v-émet», um amor que é fidelidade). Este atributo divino tem na sua origem bíblica um matiz jurídico: a fidelidade de Deus à Aliança; uma fidelidade tal que, após o pecado, se mantém, embora já não dentro do mero âmbito legal dum pacto bilateral. Com efeito, mesmo quando o homem rompe a Aliança, Deus continua a manter-se fiel a Si próprio, ao seu amor gratuito, ao seu dom inicial (cf. Rom 11,29). O amor de Deus é mais forte do que o nosso desamor, as nossas traições e pecados: «jamais algum pecado do mundo poderá superar este Amor» (João Paulo II em Fátima: 13.05.82; cf. Enc. Dives in misericordia).
14 «Vai reconsiderar». A expressão é um antropomorfismo com que se fala de Deus à maneira humana, mas de facto Deus não pode reconsiderar e mudar; se, em face da nossa penitência, Deus já não nos castiga e atende às nossas súplicas, a mudança apenas se dá em nós, não em Deus, que sempre tudo tem presente e tudo dispõe, contando com as nossas mudanças. O Profeta fala de Deus à maneira humana, ao dizer também que «Ele se encheu de zelo pela sua terra» (v. 18), em face do apelo feito ao brio do Senhor, numa súplica tão humilde como ousada da parte dos seus «ministros» (v. 17).
Salmo Responsorial Sl 50 (51), 3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. cf. 3a)
Monição: O Senhor deixou-nos o Sacramento da Reconciliação. Agradeçamos-Lhe, pedindo perdão das nossas culpas.
Refrão: Pecámos, Senhor: tende compaixão de nós.
Ou: Tende compaixão de nós, Senhor,
porque somos pecadores.
Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas.
Porque eu reconheço os meus pecados
e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra Vós,
e fiz o mal diante dos vossos olhos.
Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.
Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Abri, Senhor, os meus lábios
e a minha boca cantará o vosso louvor.
Segunda Leitura
Monição: Durante a Quaresma viveremos o tempo favorável, oferecido pelo Senhor para meditarmos na nossa salvação.
2 Coríntios 5,20 – 6,2
20Irmãos: Nós somos embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. 21A Cristo, que não conhecera o pecado, identificou-O Deus com o pecado por amor de nós, para que em Cristo nos tornássemos justiça de Deus. 6,1Como colaboradores de Deus, nós vos exortamos a que não recebais em vão a sua graça. 2Porque Ele diz: «No tempo favorável, Eu te ouvi; no dia da salvação, vim em teu auxílio». Este é o tempo favorável, este é o dia da salvação.
S. Paulo, ao fazer a sua defesa perante as acusações dos seus opositores em Corinto, exalta a grandeza do ministério apostólico de que está investido, um ministério de reconciliação com Deus alcançada pelo mistério da Morte e Ressurreição de Cristo (5,14-15).
20 «Reconciliai-vos com Deus». É este o insistente convite que a Igreja nos faz em nome de Deus, a mesma exortação que fazia S. Paulo, consciente de que «é Deus quem vos exorta por nosso intermédio». Os Apóstolos, como os demais ministros de Cristo, são «embaixadores de Cristo», não apenas «ao seu serviço», mas actuando «em vez de Cristo e por autoridade de Cristo»; o próprio texto original grego parece dá-lo a entender com a preposição hyper (em favor de Cristo), usada com o sentido do antí (em vez de: cf. Jo 11,50; Gal 3,13; etc.).
21 «Deus identificou-o com o pecado» (à letra, Deus fê-lo pecado), uma expressão extraordinariamente forte e chocante. Note-se, no entanto, que não se diz que Deus O tenha feito pecador. A nova tradução da CEP não receia propor a tradução literal: «Àquele que não conhecera o pecado, Deus por nós o fez pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus». O que se pretende dizer é que Deus permitiu que Jesus viesse a sofrer o castigo que cabia ao pecado. Trata-se aqui duma identificação jurídica, não moral. Cristo tornando-Se a Cabeça e o Chefe duma raça pecadora, toma sobre os seus ombros a responsabilidade, não a de uns pecados alheios, mas a dos pecados da sua raça (a raça humana), a fim de os expiar, sofrendo a pena devida por eles (cf. Gal 3,13). O texto torna-se menos duro, se entendemos que Cristo se fez pecado, no sentido de que se fez sacrifício pelo pecado. Isto, que podia parecer uma escapatória para evitar a dificuldade de interpretação, tem um certo fundamento no substrato hebraico, pois a palavra ’axam tem este duplo sentido de «violação da justiça» e de «sacrifício de reparação pelo pecado». Com efeito, pelo sacrifício de Cristo, tornamo-nos «justiça de Deus», isto é, justos diante de Deus (note-se o jogo com os dois substantivos abstractos – pecado/justiça –, num evidente paralelismo antitético, tão do gosto paulino).
6,2 «Este é o tempo favorável». S. Paulo cita aqui Isaías 49,8, onde se classifica assim o momento em que aprouve à misericórdia divina libertar os israelitas do cativeiro. O Apóstolo insiste em que «agora» é que é o tempo realmente favorável, o tempo em que Jesus Cristo nos redimiu do cativeiro do pecado (cf. Gal 4,4-5). A tradução litúrgica não valorizou este advérbio «agora», repetido por duas vezes, mas recuperado na nova tradução da CEP. S. Paulo actualiza a expressão grega de Isaías, «tempo favorável» (LXX), ao fazer ver que agora é que é o momento singularmente oportuno, em que apraz à misericórdia divina operar a nossa salvação. E a Liturgia pretende fazer aqui uma acomodação deste texto ao tempo santo da Quaresma.
Aclamação ao Evangelho cf. Sl 94, 8ab
Monição: O jejum, a oração e a esmola são para nós caminho de purificação e perfeição.
Cântico: – Louvor e glória a Vós – B. Salgado, NRMS, 32
Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.
Evangelho
São Mateus 6,1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus. 2Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, 4para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 5Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 16Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».
Os versículos da leitura são tirados do meio do Sermão da Montanha de S. Mateus; por focarem práticas tipicamente judaicas, estes versículos não têm paralelos nos outros evangelistas, que se dirigem a cristãos na sua maioria vindos dos gentios.
1 «As vossas boas obras» (à letra, a vossa justiça, como teremos na nova tradução da CEP), isto é, os actos tradicionais da boa piedade judaica, a esmola, a oração e o jejum. Jesus de modo algum os suprime ou diminui o seu valor, pelo facto de serem actos de piedade pessoal individual. O que exige é que todos estes actos se façam sempre com rectidão de intenção, isto é, com uma sincera piedade, com o fim de agradar a Deus, e não por ostentação, ou para se receber o aplauso humano.
6 «Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto». Segundo estas palavras de Jesus, desde crianças, fomos ensinados a rezar não apenas comunitariamente, mas também, a sós: «no teu quarto». O Senhor ensina aqui a necessidade da oração individual (o que não quer dizer individualista). Deus chama os homens à salvação, fazendo-os entrar dentro do Povo de Deus, a sua Igreja, mas chama-os um a um (nominatim: Jo 10,3). Com efeito, são imprescindíveis tanto a oração púbica, que manifesta o carácter de família e povo que somos em Cristo, como a oração a sós, que manifesta a resposta pessoal e intransferível de cada um de nós ao seu Pai celeste. Por sua vez, Jesus não se limitou a pregar a necessidade da oração individual, pois Ele próprio deu este mesmo exemplo (cf. Mt 14,23; Mc 1,35; Lc 5,16; 6,12; 9,18; 11,1.28-29), um exemplo que foi seguido pelos Apóstolos (cf. Act 10,9). Também a experiência pessoal de todos os Santos e dos que tomam a sério a fé cristã nos diz que é imprescindível este tipo de oração, que consiste em se recolher para, a sós, falar com Deus, frequentemente. A esta oração recolhida e íntima nos convida hoje o Senhor e a Liturgia nesta Quaresma, que agora começa.
Sugestões para a homilia
Jesus vem até nós
Vamos ao encontro de Jesus
Cumpramos sempre a vontade de Jesus
Jesus vem até nós
Deus criou-nos por amor. Deu-nos uma família para crescermos, rodeados de carinho e dedicação.
Chamou-nos para a Sua Igreja à qual ficámos a pertencer pelo Batismo. Alimenta-nos com a Eucaristia. Torna-nos cristãos conscientes com a Confirmação.
Cumula-nos de bênçãos e graças. Está sempre connosco, acompanhando-nos durante toda a vida. Deixou-nos o sacramento da reconciliação para nos dar o Seu abraço misericordioso de perdão. Arrependidos, procuremos viver sempre na graça de Deus.
Vamos ao encontro de Jesus
Escutemos o que o Profeta Joel nos recomenda na Primeira Leitura: «Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso».
Enchamo-nos de coragem, sabendo que o Senhor não nos condena mas acolhe-nos com amor de Pai.
Escutemos ainda o que nos pede São Paulo na Segunda Leitura: «Nós vos pedimos em nome de Cristo : reconciliai-vos com Deus ».
Com o perdão do Senhor e com a Sua graça, nem que todo o mundo estivesse contra nós, sentimos paz e felicidade. Quem a Deus tem, nada lhe falta…
Cumpramos sempre a vontade de Jesus
Para nos mantermos firmes na Fé, observemos o que Jesus nos recomenda no Evangelho: jejum, oração e esmola.
Ao praticarmos o jejum, queremos, sobretudo, não cometer o que desgosta o Senhor: o pecado. Cometer o pecado é sempre uma ilusão… O remorso que se sente, a seguir, leva-nos a voltarmo-nos de novo para o Senhor com a decisão de jamais nos separarmos d‘Ele.
Ao transformarmos a nossa vida em oração, estamos a viver sempre com o Senhor: nas alegrias e nas tristezas, no trabalho e no descanso, em casa, na igreja, em toda a parte…
O cristão não se fecha em si mesmo. Vai ao encontro dos outros… Pode dar a sua esmola a quem vive na miséria ou a morrer de fome. Pode ajudar com a palavra amiga: a criança maltratada, a mulher que sofre violência doméstica, o doente a sofrer sem esperança de cura, a pessoa que vive em ansiedade permanente…
Oh! quanto bem se pode fazer no mundo! Outrora era Cristo que andava, curando os doentes, alimentando as multidões famintas, defendendo os oprimidos, ressuscitando os mortos, apontando a todos o caminho da salvação…
Hoje Jesus confia-nos a nós esta nobre missão. Ele vai connosco para nunca desanimarmos.
Acompanha-nos a nossa querida Mãe, a Virgem Santa Maria. Ela quer abençoar o mundo. No fim da nossa vida na terra, vir-nos-á buscar para vivermos com Ela para sempre no Céu. Amém.
Fala o Santo Padre
«A cinza pousa nas nossas testas, para que, nos corações, se acenda o fogo do amor.
Com efeito, somos cidadãos do céu. E o amor a Deus e ao próximo é o passaporte para o céu;
é o nosso passaporte.»
Começamos a Quaresma com a receção das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás de voltar» (cf. Gn 3, 19). O pó sobre a cabeça faz-nos ter os pés assentes na terra: recorda-nos que viemos da terra e, à terra, voltaremos; isto é, somos débeis, frágeis, mortais. No longo decorrer dos séculos e milénios, passamos num ai; comparados com a imensidão das galáxias e do espaço, somos minúsculos; somos um bocado de pó no universo. Mas somos o pó amado por Deus. Amorosamente o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida (cf. Gn 2, 7). Por isso somos um pó precioso, destinado a viver para sempre. Somos a terra sobre a qual Deus estendeu o seu céu, o pó que contém os seus sonhos. Somos a esperança de Deus, o seu tesouro, a sua glória.
Deste modo, a cinza recorda-nos o percurso da nossa existência: do pó à vida. Somos pó, terra, barro; mas, se nos deixarmos plasmar pelas mãos de Deus, tornamo-nos uma maravilha. Todavia muitas vezes, sobretudo nas dificuldades e na solidão, vemos só o nosso pó! Mas o Senhor encoraja-nos: o pouco que somos, aos olhos d’Ele tem valor infinito. Coragem! Nascemos para ser amados; nascemos para ser filhos de Deus.
No início da Quaresma, amados irmãos e irmãs, consciencializemo-nos disto. Porque a Quaresma não é o tempo para fazer cair sobre o povo inúteis moralismos, mas para reconhecer que as nossas míseras cinzas são amadas por Deus. É tempo de graça, para acolher o olhar amoroso de Deus sobre nós e, assim contemplados, mudar de vida. Estamos no mundo para caminhar da cinza à vida. Então, não pulverizemos a esperança, nem incineremos o sonho que Deus tem sobre nós. Não cedamos à resignação. Dizes tu: «E como posso ter confiança? O mundo vai mal, o medo alastra, há tanta malvadez e a sociedade está a descristianizar-se...» Mas tu, não acreditas que Deus pode transformar o nosso pó em glória?
A cinza, que recebemos na testa, abala os pensamentos que temos na cabeça. Lembra-nos que nós, filhos de Deus, não podemos viver correndo atrás do pó que desaparece. Pode descer da cabeça ao coração esta pergunta: «Para que vivo eu?» Se vivo para as coisas do mundo que passam, volto ao pó, renego aquilo que Deus fez em mim. Se vivo só para arrecadar algum dinheiro e divertir-me, procurar um certo prestígio, fazer carreira, então estou a viver de pó. Se julgo má a vida, só porque não sou tido suficientemente em consideração, ou não recebo dos outros o que acho merecer, estou ainda com o olhar no pó.
Não estamos no mundo para isso. Valemos muito mais, vivemos para muito mais: para realizar o sonho de Deus, para amar. A cinza pousa nas nossas testas, para que, nos corações, se acenda o fogo do amor. Com efeito, somos cidadãos do céu. E o amor a Deus e ao próximo é o passaporte para o céu; é o nosso passaporte. Não poderão valer-nos os bens terrenos que possuímos – são pó que desaparece! –, mas salvar-nos-á o amor que oferecemos na família, no trabalho, na Igreja, no mundo: tal amor permanecerá para sempre.
A cinza que recebemos recorda-nos um segundo percurso: o percurso contrário, que vai da vida ao pó. Olhamos em redor e vemos pó de morte, vidas reduzidas a cinzas: escombros, destruição, guerra. Vidas de bebés inocentes não acolhidos, vidas de pobres rejeitados, vidas de idosos descartados. Continuamos a destruir-nos, a fazer-nos voltar ao pó. E quanto pó existe nas nossas relações! Vejamos em nossa casa, nas famílias: quantas brigas, quanta incapacidade de neutralizar os conflitos, quanta dificuldade em pedir desculpa, perdoar, recomeçar, enquanto com tanta facilidade reclamamos os nossos espaços e direitos! Há tanto pó que suja o amor e embrutece a vida. Mesmo na Igreja, a casa de Deus, deixamos depositar tanto pó, o pó do mundanismo.
E olhemo-nos dentro, no coração… Quantas vezes sufocamos o fogo de Deus com a cinza da hipocrisia! A hipocrisia: é a imundície que hoje, no Evangelho, Jesus pede para remover. De facto, o Senhor não diz apenas para fazer obras de caridade, rezar e jejuar, mas que tudo isso seja feito sem fingimento, sem falsidade nem hipocrisia (cf. Mt 6, 2.5.16). E, contudo, quantas vezes fazemos algo só para ser louvados, para meter figura, para me vangloriar! Quantas vezes nos proclamamos cristãos e, no coração, cedemos sem problemas às paixões que nos escravizam! Quantas vezes pregamos uma coisa e fazemos outra! Quantas vezes nos mostramos bons por fora e dentro incubamos rancores! Quanta duplicidade temos no coração... É pó que suja, cinza que sufoca o fogo do amor.
Precisamos de limpar o pó que se deposita no coração. Como fazer? Ajuda-nos o veemente apelo de São Paulo na segunda Leitura: «Deixai-vos reconciliar com Deus!» Paulo não o exige; suplica-o: «Em nome de Cristo suplicamo-vos: deixai-vos reconciliar com Deus!» (2 Cor 5, 20). Nós teríamos dito: «Reconciliai-vos com Deus». Mas ele, não; usa o passivo: deixai-vos reconciliar. Porque a santidade não é obra nossa; é graça. Sozinhos, não somos capazes de tirar o pó que suja o coração, pois só Jesus, que conhece e ama o nosso coração, pode curá-lo. A Quaresma é tempo de cura.
Que fazer então? No caminho rumo à Páscoa, podemos efetuar duas passagens: a primeira, do pó à vida, da nossa humanidade frágil à humanidade de Jesus, que nos cura. Podemos colocar-nos diante do Crucificado, ficar lá olhando-O e repetindo: «Jesus, Vós me amais; transformai-me! Jesus, Vós me amais; transformai-me…» E depois de ter acolhido o seu amor, depois de ter chorado à vista deste amor, a segunda passagem, para não voltar a cair da vida ao pó: vai-se receber o perdão de Deus, na Confissão, porque lá o fogo do amor de Deus consome a cinza do nosso pecado. O abraço do Pai na Confissão renova-nos por dentro, limpa-nos o coração. Deixemo-nos reconciliar, para viver como filhos amados, pecadores perdoados, doentes curados, viandantes acompanhados. Para amar, deixemo-nos amar; deixemo-nos erguer, para caminhar rumo à meta – à Páscoa. Teremos a alegria de descobrir que Deus nos ressuscita das nossas cinzas.
Papa Francisco, Homilia, Basílica de Santa Sabina, 26 de fevereiro de 2020
Bênção das cinzas
Depois da homilia, o sacerdote, de pé, diz com as mãos juntas:
Irmãos caríssimos: Oremos fervorosamente a Deus nosso Pai, para que Se digne abençoar com a abundância da sua graça estas cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, em sinal de penitência.
E depois de alguns momentos de oração em silêncio, diz uma das orações seguintes:
Senhor nosso Deus, que Vos compadeceis daquele que se humilha e perdoais àquele que se arrepende, ouvi misericordiosamente as nossas preces e derramai a vossa bênção sobre os vossos servos que vão receber estas cinzas, para que, fiéis à observância quaresmal, mereçam chegar, de coração purificado, à celebração do mistério pascal do vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ou
Deus de infinita bondade, que não desejais a morte do pecador mas a sua conversão, ouvi misericordiosamente as nossas súplicas e dignai-Vos abençoar estas cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, para que, reconhecendo que somos pó da terra e à terra havemos de voltar, alcancemos, pelo fervor da observância quaresmal, o perdão dos pecados e uma vida nova à imagem do vosso Filho ressuscitado, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
O sacerdote asperge as cinzas com água benta, sem dizer nada.
Imposição das cinzas
Em seguida, o sacerdote impõe as cinzas a todos os presentes que se aproximam dele, dizendo a cada um:
Mc 1, 15
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho.
Ou
cf. Gen 3, 19
Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás-de voltar.
Entretanto, canta-se um cântico apropriado, por exemplo:
Cântico: Perdão, Senhor, Perdão – M. Faria, NRMS, 13
cf. Joel 2, 13
Antífona: Mudemos as nossas vestes pela cinza e o cilício. Jejuemos e choremos diante do Senhor, porque Deus é infinitamente misericordioso e perdoa os nossos pecados.
ou
cf. Joel 2, 17; Est 13, 17
Entre o vestíbulo e o altar, chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, dizendo: Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo, para que possa cantar sempre os vossos louvores.
ou
Salmo 50, 3
Lavai-me de toda a iniquidade, Senhor.
Pode repetir-se esta antífona depois de cada versículo ou estrofe do salmo 50. Compadecei-Vos de mim, ó Deus.
Responsório
cf. Bar 3, 2; Salmo 78, 9
V. Renovemos a nossa vida,
reparemos o mal que fizemos,
para que não nos surpreenda o dia da morte
e nos falte o tempo para nos convertermos.
R. Ouvi-nos, Senhor, e tende compaixão de nós,
porque somos pecadores.
V. Ajudai-nos, Senhor, para glória do vosso nome;
perdoai as nossas culpas e salvai-nos.
R. Ouvi-nos, Senhor, e tende compaixão de nós,
porque somos pecadores.
Terminada a imposição das cinzas, o sacerdote lava as mãos. O rito conclui-se com a oração universal ou oração dos fiéis. Não se diz o Credo.
Oração Universal
Irmãos, oremos a Deus Omnipotente
e imploremos a Sua misericórdia,
dizendo confiadamente:
Escutai, Senhor, a nossa oração.
1. Pela Santa Igreja Católica,
para que os cristãos, unidos na caridade,
trabalhem por um mundo melhor,
oremos, irmãos.
2. Pelos povos que sofrem os horrores da guerra,
para que, através da justiça, do diálogo e da tolerância,
alcancem o dom inestimável da paz,
oremos, irmãos.
3. Pelas famílias onde não há amor,
para que, através da oração e do perdão,
alcancem de novo a felicidade e alegria,
oremos, irmãos.
4. Pelos pobres, pelos marginalizados e abandonados,
para que, com a nossa ajuda fraterna,
possam de novo viver dignamente,
oremos, irmãos.
5. Pelos doentes e por todos os que sofrem,
para que, na Cruz redentora de Cristo,
encontrem alívio e consolação,
oremos, irmãos.
6. Pelos nossos familiares e amigos falecidos,
para que, purificados das suas faltas, entrem no Céu
onde pedirão pela nossa própria salvação,
oremos, irmãos.
Senhor nosso Deus e nosso Pai,
dignai-Vos atender estas súplicas
e, por intercessão da Virgem Santa Maria,
concedei-nos o que for melhor para nós.
Por Cristo Nosso Senhor.
Liturgia Eucarística
Cântico do ofertório: Confesso o meu pecado – J. Santos, NRMS, 61
Oração sobre as oblatas: Recebei, Senhor, este sacrifício, com o qual iniciamos solenemente a Quaresma, e fazei que, pela penitência e pela caridade, nos afastemos do caminho do mal, a fim de que, livres de todo o pecado, nos preparemos para celebrar fervorosamente a paixão de Cristo, Vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Prefácio da Quaresma III p. 463 ou IV p. 464 [598-710]
Santo: F. Silva, NRMS, 14
Monição da Comunhão
Por vezes sentimos dificuldade em nos mantermos fiéis ao Senhor. Na Sagrada Comunhão alcançamos forças para nunca desanimarmos no caminho da santidade.
Cântico da Comunhão: Dai-me, Senhor, um coração puro, C. Silva, OC, pg 76
Salmo 1, 2-3
Antífona da comunhão: Aquele que medita dia e noite na lei do Senhor dará fruto a seu tempo.
Cântico de acção de graças: Tudo o que pedirdes – C. Silva, OC, pg 256
Oração depois da comunhão: Senhor, fazei que este sacramento nos leve a praticar o verdadeiro jejum que seja agradável a vossos olhos e sirva de remédio aos nossos males. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Ritos Finais
Monição final
A Virgem Santa Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, vai ajudar-nos a vivermos santamente o tempo da quaresma, como preparação para a Solenidade da Páscoa. O Senhor que ressuscitou glorioso também nos ressuscitará para com Ele vivermos felizes para sempre.
Cântico final: Confiarei no meu Deus – J. F. Silva, NRMS, 106
A bênção e imposição das cinzas pode fazer-se também fora da Missa. Nesse caso, convém que preceda uma liturgia da palavra, utilizando a antífona de entrada, a oração colecta, as leituras e seus cânticos, como na Missa. Depois da homilia, procede-se à bênção e imposição das cinzas. O rito conclui com a oração universal.
Homilias Feriais
TEMPO DA QUARESMA
CINZAS
5ª Feira, 23-II: A escolha do Caminho.
Deut 30, 15-20 / Lc 9, 22-25
Pois quem quiser salvar a própria vida há-de perdê-la, mas quem perder a vida por minha causa, há-de salvá-la.
Diante de nós temos dois caminhos: um que conduz à vida e outros que leva a perdê-la (LT). Para seguirmos Jesus, acompanhemo-lo a caminho do Calvário, pegando na Cruz com muito amor. Ele convida-nos a pegar na nossa cruz de cada dia (EV).
Aquele que seguir o caminho do Senhor terá abundantes frutos: É como a árvore plantada à beira das águas (SR). Para isso, é preciso que nos arrependamos e acreditemos no Evangelho. Façamos o propósito de mudar de vida, abandonando o caminho do pecado, e pedindo perdão pelas más acções que cometemos.
6ª Feira, 24-II: Oração e penitência.
Is 58, 1-9 / Mt 9, 14-25
Por que motivo nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?
Jesus responde que o mais importante é estar sempre na companhia dEle (EV). Isso consegue-se especialmente através da oração. Clama em altos brados sem cessar (LT). E também através do arrependimento. Não é do sacrifício que Vos agradais…sacrifício agradável a Deus é o espírito arrependido (SR).
A penitência deve também estar acompanhada pela caridade (LT). Procuremos levar à prática as obras de misericórdia durante este tempo da Quaresma. Como consequência, haverá mais luz na nossa vida e o Senhor curará as nossas feridas (LT).
Sábado, 25-II: O médico divino que cura as almas.
Is 58, 9-14 / Lc 5, 27-32
Hão-de chamar-te ´reparador das brechas’, restaurador dos caminhos para as áreas habitadas.
Por um lado, Jesus é o médico divino. Eu não vim salvar os justos mas os pecadores, para que se arrependam (EV).
Pedimos-lhe: Ensinai-me, Senhor, o vosso caminho (SR), para que, com a vossa ajuda, eu possa reconstruir as ruínas da minha alma (LT). E também, que eu cuide o dia do Senhor, programando as viagens, os negócios e empreendimentos, que levo a cabo. Que viva com prontidão para cumprir os pedidos do Senhor. Como Mateus que, ao ouvir a tua voz, me levante rapidamente para te seguir e convidar os outros para te conhecerem (EV).
Celebração e Homilia: Aurélio Araújo Ribeiro
Nota Exegética: Geraldo Morujão
Homilias Feriais: Nuno Romão
Sugestão Musical: José Carlos Azevedo