TEMAS LITÚRGICOS
As Missas da Virgem Maria do Advento e do Natal
Pedro Boléo Tomé
A Virgem Maria como «Nova Eva»
Ainda não sabia que se celebravam as bodas de prata do Missal das Missas de Nossa Senhora em português quando me debrucei sobre os novos prefácios de Nossa Senhora da recente tradução do Missal Romano. Maria é chamada com o título de «Nova Eva». Pensei imediatamente na solenidade da Imaculada Conceição e em como Maria é concebida imaculada para poder gerar o Novo Adão:
«Vós preservastes a Virgem Santa Maria
de toda a mancha do pecado original,
para fazer dela, enriquecida com a plenitude da graça,
digna mãe do vosso Filho, (...).
Virgem puríssima, dela havia de nascer o vosso Filho,
Cordeiro inocente, que tira o pecado do mundo».[1]
Pela minha mente passou a recordação das inúmeras referências dos Padres da Igreja e do Magistério à Virgem Maria como «Nova Eva». Porém, na celebração da Imaculada Conceição não encontrei nenhuma referência explícita a esse título.[2] A primeira leitura relata-nos o diálogo de Deus com os nossos primeiros pais depois do pecado original e o anúncio de que, da descendência da mulher, viria quem haveria de esmagar a cabeça da serpente. Também se diz que o homem deu o nome de Eva à mulher, por se ter tornado mãe de todos os homens. E com isto está insinuado todo este filão teológico-escriturístico.
Pensava, então, seguir por esta linha e estabelecer pontes entre esse filão da Tradição e a Solenidade da Imaculada Conceição, quando, como referi no último número, me dei conta do aniversário redondo da «Coletânea de Missas da Virgem Santa Maria». Sendo este número da Celebração Litúrgica dedicado aos tempos litúrgicos do Advento e Natal questionei-me que outras imagens de Nossa Senhora teria a liturgia para nos oferecer? E, tal como um menino que sobe ao sótão do avô e começa a procurar as riquezas de um velho baú, encontro nos formulários dessas Missas a Virgem Maria como Filha Eleita de Israel, Filha de Sião, Arca da Nova Aliança, Nova Criatura, Mãe do Senhor, Mulher Santa, etc.
«A Virgem Maria, Filha Eleita de Israel»
A Virgem Maria está intimamente associada ao mistério de Cristo, daí que a «Colectânea de Missas da Virgem Santa Maria» tenha sido disposta segundo a ordem do ano litúrgico. Começa por apresentar três Missas para o Advento e, depois, seis para o Natal. São Missas que se poderão celebrar nos santuários marianos[3] ou no Tempo Comum nalguma festa em que faça especial sentido[4], porém, estas riquezas fazem parte do tesouro da Liturgia do qual todos podemos usufruir e podem ser utilizadas para a oração e para a pregação, mesmo quando não tenhamos ocasião de as utilizar na celebração propriamente dita.
Convido-vos a olhar, por exemplo, para a primeira Missa do Advento: «A Virgem Maria, Filha Eleita de Israel». Porquê este título? Encontramo-nos no Advento e, neste tempo litúrgico, recordamos a Aliança de amor que Deus fez com Abraão e com os seus descendentes, e em especial, com David. Da sua descendência haveria de vir o Salvador. Um filho de Sião, a cidade de David. E é precisamente com esse título que Maria é apresentada na Colecta desta Missa:
«Deus de admirável providência,
que cumpristes a promessa feita a nossos pais,
escolhendo a Virgem Maria, excelsa Filha de Sião (...)»
No prefácio ela é chamada «plenitude de Israel e princípio da Igreja» e sublinha que, através dela, se manifesta a todos os povos que a salvação vem de Israel, que a nova família brota desse tronco, um tronco escolhido. Maria é a «vara de Jessé» da qual vai brotar a flor, Jesus Cristo.
Por seu lado, o prefácio vai entrelaçando referências genealógicas a Adão, a Abraão e a Jessé (Pai de David) apresentando Maria como a excelsa filha de Israel:
«Pela natureza filha de Adão,
ela reparou com a sua inocência a culpa da primeira mãe.
Pela fé descendente de Abraão,
ela concebeu em seu seio porque acreditou.
Pela geração ela é a vara de Jessé,
que floresceu em Jesus Cristo, nosso Senhor.
(...)»
Esta Missa plasma o que afirma o Concílio Vaticano II, quando diz que a Virgem Santa Maria, ao obedecer com todo o coração à Lei e aceitando plenamente a vontade do Senhor «é a primeira entre os humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus. Com ela, enfim, excelsa Filha de Sião, passada a longa espera da promessa, se cumprem os tempos e se inaugura a nova economia da salvação»[5].
«A Visitação da Virgem Santa Maria»
No passado número de agosto referi-me à Nova Arca da Aliança como figura de Maria e expliquei tratar-se de uma imagem antiquíssima e particularmente clara para os primeiros cristãos, infelizmente, obscura e distante para os cristãos atuais. Expliquei como essa imagem estava patente em toda a Missa da Assunção de Nossa Senhora, porém, as referências explícitas a Maria como a Nova Arca da Aliança apenas se encontravam nas leituras da Missa. Expliquei também a íntima relação do relato da Visitação com a visão, por parte da primeira comunidade cristã, de Maria como a Nova Arca que Jeremias havia profetizado que haveria de ser vista de novo quando chegassem os tempos messiânicos. Foi, pois, grande a minha alegria quando, precisamente, na Missa de Advento intitulada «A Visitação da Virgem Santa Maria» encontrei esta oração colecta:
«Deus, Salvador dos homens, que,
por meio da Virgem Santa Maria, Arca da Nova Aliança,
levaste a salvação e a alegria à casa de Isabel…»
«Nossa Senhora de Caná»
No Missal das Missas de Nossa Senhora temos, para o tempo de Natal, não só a Missa de «Santa Maria Mãe de Deus» e a da «Virgem Maria, Mãe do Salvador», mas também a da «Virgem Maria na Epifania do Senhor» ou a da «Virgem Maria na apresentação do Senhor», todas elas expectáveis para o Tempo de Natal. Porém, chamou-me a atenção para a Missa intitulada «Nossa Senhora de Caná». Recordei, então, um artigo publicado na Celebração Litúrgica intitulado «A celebração litúrgica do Natal e da Epifania»[6]. Nele explicava-se o sentido e a história destas festas litúrgicas. Referia-se que na festa da Epifania se desejava celebrar a manifestação de Deus aos homens, ou «aparição» de Deus na carne. E que, desde o início, se associou a essa festa não só a celebração da adoração dos Magos, com a aparição da estrela, mas também a do Batismo de Jesus, onde os Céus se abrem e manifestam quem Ele é, e ainda a celebração do episódio das Bodas de Caná, onde Jesus «manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram n’Ele»[7]. E é, precisamente, com estas palavras que a Missa de «Nossa Senhora de Caná» se inicia.
Nestas Missas do Advento e do Natal celebramos os mistérios do nascimento e da manifestação do Senhor na companhia da Sua Mãe. Em Caná, Maria está presente de uma forma muito especial na manifestação do Senhor e a liturgia recorda-o de forma particularmente bela na antífona da comunhão desta Missa:
«Bendita sejais, ó Virgem Maria:
por Vós, realizou o vosso Filho o primeiro dos seus milagres;
por Vós, o Esposo preparou o vinho para a sua Esposa;
por Vós, os discípulos acreditaram no seu Mestre».
[1] Prefácio da Solenidade da Imaculada Conceição
[2] Iremos encontrar muitas referências nas Missas de Nossa Senhora da Quaresma e do Tríduo Pascal onde Maria permanece fiel debaixo da árvore da Cruz e se une ao Novo Adão na redenção da Humanidade.
[3] Exceto nos dias que estão indicados nos números 1-6 da Tabela dos dias litúrgicos (Calendário Romano Geral n.59, in Missal Romano)
[4] Cfr. COLECTÂNEA DE MISSAS DA VIRGEM SANTA MARIA, Preliminares, n. 28.
[5] LG 55
[6] Edição nº 1 | Advento – Natal - Tempo Comum | Dezembro/Janeiro 2020/2021
[7] Jo 2, 11