DOCUMENTAÇÃO
CARDEAL PATRIARCA DE
LISBOA
A MISSÃO DA UNIVERSIDADE
CATÓLICA PORTUGUESA
(Discurso do Cardeal
Patriarca de Lisboa D. José da Cruz Policarpo, Magno Chanceler da UCP, na
tomada de posse do Reitor Prof. Manuel Braga da Cruz e dos novos Vice-Reitores,
no dia 6 de Outubro passado)
1. As minhas breves palavras
dirigem-se, antes de mais, a si, Senhor Reitor, neste início do seu segundo
mandato, para lhe agradecer a forma competente, lúcida e serena com que
presidiu à vida desta Universidade, num quadriénio que não foi fácil, em que
aos desafios específicos de uma Universidade, se acrescentaram problemas vindos
das nossas fragilidades internas. Nada lhe fez perder a serenidade e a lucidez
nem diminuir a ousadia criativa para imaginar caminhos novos. Ao agradecer-lhe,
reitero-lhe a minha confiança pessoal, que exprime também a da Conferência
Episcopal Portuguesa. A confiança da Santa Sé foi largamente expressa na sua
nomeação para um segundo mandato. Estendo este agradecimento aos Senhores
Vice-Reitores agora cessantes, que fizeram com Vossa Excelência uma equipa
notável, unida na competência e na ousadia, dinamizada na prossecução de
objectivos por todos aceites. Saúdo igualmente os Senhores Vice-Reitores agora
empossados, desejando-vos a mesma firmeza na unidade de objectivos, e a mesma
competência na sua prossecução.
2. Aproveito esta oportunidade
para reafirmar a esperança que a Igreja põe na missão desta Universidade, que
consideramos uma das expressões da missão da própria Igreja no mundo. A missão
específica de uma Universidade Católica situa-se aí, na fronteira onde a Igreja
e a sociedade se cruzam e se encontram. Sendo afirmação da visão cristã do
homem e da história, a Universidade Católica é, por definição, espaço de
diálogo e de colaboração, afirmação de convivência que, no respeito pela
diferença, procura o progresso da sociedade.
Inicia Vossa Excelência,
Senhor Reitor, o seu segundo mandato alguns dias depois de a Assembleia da
República ter ratificado, por larga maioria, o novo texto concordatário. Tem a
comunicação social sublinhado o facto de, na nova Concordata, se fazer uma
referência explícita à Universidade Católica. Mas mais importante do que essa
alusão, é o princípio da colaboração entre a Igreja e o Estado, em prol da
construção de uma sociedade cada vez mais consentânea com as profundas
aspirações do povo português, na valorização da sua identidade cultural e no
aprofundamento de valores estruturantes como o são a liberdade, a justiça e a
paz. Este princípio da cooperação, em prol do bem comum, atravessa o texto
concordatário do princípio ao fim e justifica muita da matéria substantiva do
articulado.
A aceitação clara e convicta
pelas duas partes, a Santa Sé e o Estado Português, deste princípio da
cooperação, exprime, em si mesmo, a evolução verificada, por parte da Igreja,
da sua maneira de estar no mundo, como parte activa da construção da sociedade
plural; por parte do Estado, de uma visão positiva da laicidade, a que não
renuncia, mas concebe como respeito pela pluralidade, na diferença, canalizando
o contributo específico de cada grupo para a unidade do projecto da sociedade.
Esta é uma nova atitude cultural, promissora para o futuro da nossa sociedade:
nem a Igreja precisa de renunciar à especificidade da sua visão do homem e da
sociedade, para colaborar com o Estado e outras forças sociais; nem o Estado
precisa de renunciar à sua laicidade, para apoiar positivamente os contributos
da Igreja para a edificação de uma sociedade melhor.
Todos sabemos que esta visão
positiva do respeito mútuo, do diálogo e da cooperação, não se traduz na
prática por decreto. É um longo caminho a percorrer, que é o caminho da luta
por um mundo novo e uma sociedade diferente. E se reconhecemos que em muitos
católicos subsistem, ainda, visões dicotómicas em relação a certos fenómenos
sociais, é também verdade que uma visão da laicidade concebida como exclusão da
Igreja e da sua visão do mundo, se manifesta ainda, transformando a laicidade em
laicismo. Mas nada disso nos fará desistir nesta luta por um futuro novo. A
lucidez, a persistência e a determinação, mas também a sabedoria paciente, são
hoje atitudes fundamentais para quem lidera dinamismos e instituições,
importantes e, porventura, decisivos, para o futuro da sociedade.
3. Uma Universidade Católica é
o espaço privilegiado para esta cooperação, para a edificação de uma sociedade
melhor. Compete-lhe formar aqueles e aquelas que serão interventores decisivos
no futuro da sociedade. E deve formá-los, competentes na área própria de
intervenção, e cultos, capazes de discernimento sobre o sentido profundo da
sociedade que queremos construir, dos valores irrenunciáveis que serão o seu
alicerce, abertos e perspicazes para identificarem esses valores em qualquer
parte em que estejam a germinar.
Para isso a Universidade
Católica, para além da competência académica, deve ser espaço de cultura,
enraizada nos valores evangélicos. Ninguém estará à altura desse mundo novo,
que todos desejamos, se não perceber que as soluções pragmáticas e imediatistas
não bastam; que não haverá sociedade justa se não se alicerçar na compreensão
da dignidade do homem e na exigência radical do seu futuro. A Universidade
Católica tem de dar a esta perspectiva cultural de uma mundividência cristã
pelo menos a mesma importância que dá ao cultivo da competência científica e
técnica. A ciência sem a cultura não é, necessariamente, um elemento decisivo
na construção da sociedade. Nesse sentido, não hesito em afirmá-lo, a Universidade
Católica é um espaço de evangelização, onde a todos seja comunicada a dimensão
específica de uma visão cristã da sociedade e da generosidade e
responsabilidade exigidas por aqueles que a constroem. Os valores inspiradores
do homem, pessoa em sociedade, devem ser conteúdo indiscutível dessa dimensão
cultural. Sem excluir o anúncio explícito da fé, verdadeiro fundamento de toda
a cultura cristã, deve ser comunicado a todos o pensamento social da Igreja, o
seu vasto ensinamento sobre o homem e a sociedade; e todos deveriam ser
iniciados, através da Filosofia, na arte de pensar, discernir e julgar. Não vos
escondo a minha preocupação pela relativização do papel da atitude filosófica
como fundamento do discernimento crítico, importante para todos os saberes.
Desejo-lhe, Senhor Reitor e à sua equipa, um bom mandato. Vossa Excelência já mostrou que é capaz de reunir todos, docentes, estudantes e funcionários, à volta de um mesmo projecto que os galvanizará na medida do seu entusiasmo em participarem activamente na construção desse futuro novo para a nossa sociedade.